quinta-feira, 26 de novembro de 2009

João Bobão

João Bobão era o seu nome.

João de batismo e Bobão de alcunha, não era à toa que o chamavam assim.

Sua vida era sorrir. Um sorriso constante, sem causa aparente, lá ia João Bobão pela vida, rindo feito bobo, e fazendo os outros rirem também de si.

Nada para João Bobão estava ruim. E viesse a inflação, e a peste, e a fome, e o partido da oposição a ganhar o pleito; e houvesse reajuste no gás, na luz, na água, no telefone; e tudo estivesse ruim, péssimo, lastimável - e João, o Bobão, lá estava com aquele riso bobo na cara, incólume e alheio a tudo.

João Bobão era o típico cidadão pacífico idolatrado pela política. Não tinha voz, não tinha boca, não tinha punhos. Tinha só aquele sorriso bobo. Esse era seu patrimônio. Sua marca. Seu eu.

Até que um dia sopraram-lhe uma piada mal contada.

Então tudo mudou.

João Bobão fechou a carranca. Carregou os sobrolhos. E partiu pra luta.

Odiado pelo mundo, pela política, trocaram a alcunha. Agora chamavam-no João Enfezadão.

E João Enfezadão passou a ser alguém na vida

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Diante de uma folha.

É o maior fantasma de todo escritor.

A folha estendida na mesa. Alva como cera. Desafiadora.

O escritor se debruça sobre ela. Morde o lápis. Bate o pé ritmado sob a escrivaninha.

-Ah, Deus, Deus, as palavras não vêm!...

E nem virão. Ele sente que têm bilhões de idéias geniais, mas elas se recusam a se transformar em palavras. E as palavras se recusam a tornar tangíveis tuas idéias.

Literato amigo, é melhor parar por aí. Não force a barra. Fica na tua, vai tomar uma cerveja, uma ducha fria, ou amassa a maldita folha e faz um pouquinho de malabarismo com ela sobre a mesa.

Se forçar, sai merda. Você vai ter vergonha de você mesmo, de ser chamado "escritor".

Você acredita em musas? Então a culpa é delas. Eu, como não acredito, digo: a culpa é tua!

Vida de escritor é isso aí, meu chapa! Hoje você ganha, amanhã você perde, e vamos tocando o barco... ou, no caso, as malditas folhas alvas.

Coloca na tua cabeça que é a obra que escolhe o autor, e não o autor que escolhe a obra. Parece absurdo. Parece surreal. Parece sobrenatural. MAS É ASSIM!

Então, se o fulano emplacou um conto escrevendo um rascunho em cinco minutos, sentado no vaso sanitário ou testando a caneta numa folha de enrolar presunto fatiado - sorte dele.

Enquanto você durante toda a vida projetou um calhamaço, arquitetou a trama, montou prólogo, epílogo, revisou trezentas vezes a forma, buscou no latim a etimologia apropriada para o nome de cada personagem - e morreu na praia.

Você não é incompetente. Você pode até ser uma sumidade. Mas se esqueceu do fator RISCO e do fator SORTE que, digam o que quiserem, são os norteadores do sucesso ou do fracasso.