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O cara tava carregado de inspiração.
O braço, petrificado como uma rocha, dava um bruto contraste com a mão e os dedos que tremulavam sobre a mesa. Nunca vi coisa parecida.
Dera-lhe um toco de lápis. Ele meteu-se a garatujar a folha, louco, muito louco, apertando a ponta no papel ao ponto de rasgá-lo.
E quebrava a ponta dum lápis, e lhe davam outro. E às vezes, no transe, vinha a amassar as folhas, esmurrando a mesa e lançando a grafite longe, violentamente.
O transe durou três longos minutos. E desse pandemônio mediúnico saiu um belíssimo soneto, parnasiano, tão ininteligível quanto as mais belas redondilhas dos mais ensandecidos bardos.
-É Bilac! - proclamavam uns, cheios de espanto.
-Não! É arte de Píndaro! - retalhavam outros.
-Ora, Píndaro já voltou à carne. Meteu-se nos obscuros corredores da Psiquiatria. Se não é Bilac, é Manoel da Nóbrega.
-Arre! Padre Manoel não tem apreço aos preciosismos. Ele tem lucidez de senador romano...
Nesse ínterim, o médium lançou uma gargalhada, estremecendo as paredes alvas do edifício. E subscreveu a mensagem que encetara a polêmica:
"João José, obscuro, ignoto, indigente sepultado em vala comum, poeta de papéis de pão, com incursão à Terra precedente de Bilac, Publius Lentulus ou qualquer poeta tebano. Impublicável por sua própria deliberação".
E, finalizando, rasgou em milhões de pedacinhos o raríssimo soneto, ao que recitou muito sardônico:
-A Arte é tão efêmera quanto a Vida.
E aquela imita esta, e a precede,
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