quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

João Meladão, um ladrão de calcinhas

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João Meladão finalmente foi pego com a boca na botija, ou melhor, com as mãos na calcinha.

Dona Gertrudes já estava cismada há algum tempo, e resolveu montar tocaia. Estava farta de ter que comprar calcinhas para repor as que vinham sumindo misteriosamente do varal.

O tarado acabava de puxar uma das peças quando ouviu ela berrar com toda a estridência de uma dona ultrajada:

-Ladrão de calcinha! Pega!

João Meladão pulou a cerca igual a um gato assustado e mergulhou no matagal fundo que se estendia do outro lado da rua, levando consigo a preciosa calcinha.

Aboletada na cadeira, deram-lhe água com açúcar. Ela tremia de medo e ódio:

-Uma calcinha cara, rendada, vermelha! A preferida do Jucão. – lamentava a robusta mulher em meio às trouxas de roupa suja ainda por lavar.

Jucão, o maridão, ficou sabendo de toda a presepada. Não pensou duas vezes ao sair no rastro do covarde.

-Roubar calcinha de mulher alheia! Eu mato esse desgraçado!

João Meladão era um sujeito bem conhecido do vilarejo. Beirando os trinta, espigadão, lento das idéias e olhar aluado, era o que parecia de mais inofensivo naquele fim de mundo.

-Ele pode ser tantã – grunhiu o marido – mas sabe bem o que faz. Eu acerto o passo desse maldito.

Saiu armado com cano e com faca. Sabia onde encontrar o infeliz.

-Eu preciso devolver a calcinha da dona Gertrudes!

A voz vinha de dentro do casebre, no final da rua da igreja matriz. Era a casa do João Meladão.

Jucão deslizou pela parede feito um jagunço. Parou numa fenda da janela. Dali pôde ver todo o cenário dentro do pardieiro.

João Meladão estava sentado numa banqueta, cabeça baixa, arcado sobre sua própria desolação. À sua frente, sentado noutra banqueta, o padre admoestava severamente o ladrão de calcinhas:

-Você já pensou o vai acontecer, agora que você foi flagrado pela dona Gertrudes?

O tarado começou a chorar feito criança:

-Eu não queria fazer isso, padre. É mais forte do que eu.

E começou a desfiar toda a miséria que ia na sua alma:

-Não consigo limpar da mente minha infância, meu pai violentando minha mãe e minha irmã na minha frente. O sexo pra mim se tornou uma coisa imunda.

-Depois, quando eu completei quinze anos, ele me levou no prostíbulo e me obrigou a transar com as prostitutas. Mas não consegui nada.

-Elas zombaram de mim, esfregaram as calcinhas na minha cara, me chamaram de frouxo.  Nunca consegui transar com mulher nenhuma. Hoje até sinto algum desejo, mas não tenho ereção.

João Meladão sofria, na verdade, de disfunção erétil e ejaculação precoce. Aquele fetiche parecia compensar, num desvio sexual, as suas restrições funcionais e afetivas.

Ele então estendeu a calcinha ao pároco:

-Eu te peço, padre: devolve a calcinha a dona Gertrudes. Diga que estou arrependido.

O padre tomou a calcinha, constrangido. João Meladão foi até um baú e de lá retirou mais um punhado delas.

-Estas também são dela.

Mas não teve tempo de entregá-las também ao padre. Num átimo, um vulto pulou quarto adentro e riscou com a faca a jugular do tarado.

O padre deu um grito de pavor. A vítima caiu, tentando estancar com as mãos as artérias donde jorravam dois jatos medonhos de sangue.

João Meladão morreu ali mesmo, caído entre as calcinhas embebidas em sangue.

Limpando a lâmina na camisa do cadáver, Jucão ainda rugiu do alto do seu brio de marido ultrajado:

-Infeliz! Pode ficar agora com as calcinhas. Faça bom proveito.

E, recolhendo a faca na cinta, saiu pisando duro. Vingado. Honrado.

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