sábado, 16 de janeiro de 2010

Galinha preta

...

Meia-noite.

Somente a orquestra monótona dos grilos cortava o silêncio escuro da encruzilhada.

Era uma galinha, e preta. Metida no alguidar com a farofa, a aguardente, os círios vermelhos, o charuto e o dendê - ela atraiu um incauto egum.

A entidade veio cambeteando, debruçou-se sobre o despacho. Os olhos injetados de sangue. Os caninos à mostra, proeminentes, ávidos pela oferenda: a galinha preta.

Mas não conseguiu sugar os eflúvios do ebó. Um guerreiro das sombras surgiu, estalou o chicote no ar e bradou, enérgico, mandando o intruso se afastar.

-Tranca-Rua! - o quiumba deu um salto, apavorado. Tentou correr, escorregou na cera da vela rubra e, manquitolando em desespero, acabou cercado por uma falange de demônios.

-Fazendo arruaça nas quebradas! - gargalhou o Exu aproximando-se da alma penada.

-Piedade! - o quiumba suplicou.

O guardião não teve piedade. Brandindo a vergasta, desferiu três chicotadas no egum. Uma ardeu-lhe no maxilar, outra rasgou seu tórax, e outra, enlaçando como uma serpente de fogo seu flanco, fê-lo rodopiar a dois metros de altura, atirando-o a considerável distância.

Transido de dor, safou-se manquitolando e berrando como louco, sumindo-se pelas brumas do astral inferior.

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