sábado, 16 de janeiro de 2010

Não consigo escrever

...

Na sala de aula, o menino tremia todo metido atrás da carteira.

A folha na mesa, lápis, borracha, e a carranca da professora fuzilando suas trinta e poucos vítimas prontas para o holocausto.

Prova de redação! Dia tenebroso!

-Vinte linhas, introdução, desenvolvimento, conclusão, não esquecer título, atentem para a coesão, a ortografia, a concordância, a ACENTUAÇÃO GRÁFICA...

A cada palavra, a cada gesto, a molecada ficava mais retesada na cadeira, olhos arregalados - o terror espalhara-se e estabelecera um silêncio medonho, catacúmbico.

-E nem um pio! - finalizou a professora implacável, deliciada ao ver o massacre do qual somente sairiam dois ou três sobreviventes mais afeitos aos rudimentos da gramática...

Machado de Assis (sim, o garoto chamava-se assim) não suportou o baque. Heroico, tentou com toda a energia do seu espírito empreender a façanha de retirar do seu cérebro uma redaçãozinha que fosse.

Mas nada! Mordeu o lápis, espremeu o cérebro, e não conseguiu traçar uma palavra sequer. Desesperado, desabou num berreiro, colocando toda a sala em alvoroço.

O inspetor veio, levou o garoto, deu-lhe água com açúcar e chamou o socorro.

Na carteira, o papel - tão alvo e limpo como antes - o lápis e a borracha ao lado.

Machado de Assis só conseguiu enxergar uma utilidade na escrita quando, mais tarde, conheceu a menina dos seus sonhos e precisou mandar um bilhetinho de amor para ela.

E assim o fez. E com maestria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário