sábado, 16 de janeiro de 2010

O palhaço

...

No camarim, o palhaço não estava nem um pouco disposto a trabalhar naquela noite.
Tinha acabado de receber a notícia da morte da mãe. Ele estava longe, muito longe da sua terra. E o dono do circo, um russo arrogante, nem quis ouvir as lamentações do palhaço.

-Você tem que fazer rir, Palhares. A coisa anda mal... O circo está em dificuldades. Deixemos que os mortos enterrem seus mortos.

Palhares acabava de dar os últimos retoques na cara. Com o lápis, fez uma grande lágrima preta no canto do olho.

O circo estava lotado. Mal irrompeu no picadeiro, pôde perceber pelos aplausos mais um vez o quanto ele era importante para toda aquela gente.

Não há circo sem palhaço. E não há palhaço sem alegria.

Nunca Palhares foi tão engraçado. Mergulhando como nunca em sua arte de fazer rir, procurou esquecer sua tristeza e sua miséria. E no seu íntimo pediu perdão à sua mãezinha por não poder estar com ela naquele momento.

Depois de arrancar gargalhadas estrondosas da arquibancada, Palhares reverenciou o público, encerrando o seu número.

Nesse instante, misteriosamente, uma velhinha invadiu o picadeiro e o abraçou efusivamente. Depois, olhando o palhaço no fundo dos olhos, murmurou, enquanto retirava com a mão a pintura da lágrima negra feita à lápis.

-Não chore, meu filhinho. Você tem uma bela missão a cumprir nesse mundo: transformar nossas tristezas em alegria. É a sua arte.

Sem que ele pudesse ter qualquer reação, ela mergulhou novamente no meio da platéia.

O palhaço nunca mais a viu. Mas, a cada sessão, a cada dia, sentiu que sua arte era o novo legado daquela velhinha, simbolizando o último adeus da sua mãe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário